segunda-feira, 24 de outubro de 2016




Aborto masculino: a condescendência da sociedade


Você pode se perguntar: aborto masculino, o que é isso? Como ele aconteceria? Existe mesmo? Sim, existe e está presente na nossa sociedade, e mais, está arraigado na cultura brasileira, não causando mais estranhamento ou grande indignação.
Salvo algumas exceções, o aborto materno é proibido no Brasil e está inserido como crime no Código Penal Brasileiro (CPB) nos seus artigos 124 a 128. Não desejo discutir sobre este aspecto em específico, muito menos fazer apologia ao aborto, tão somente quero mencionar que interromper uma gestação por vontade da mulher ou por terceiros sem o consentimento desta é amplamente condenado socialmente, além de ser crime sujeito a sanções legais. Dito isto, intenciono fomentar uma reflexão sobre o outro lado desta mesma moeda: o aborto masculino.
Diariamente, muitas crianças recém-nascidas, ou ainda em gestação, são abandonadas pelo genitor do sexo masculino, que não as reconhecem; ou que ao deixarem as esposas, noivas ou namoradas abandonam também a função paterna; ou ainda, quando a gravidez acontece em relacionamentos casuais, muitas vezes o homem nem assume que pode ser o pai desta criança em gestação.
Não que a sociedade esteja de acordo ou apoie esta postura masculina, mas pode-se dizer que está “acostumada” com esta situação, em que a mulher precisa criar sozinha o filho – ou os filhos, não podendo contar com a presença do pai. Enquanto o aborto materno é crime, o aborto paterno está legalizado e só se torna crime quando, após ser obrigado a dar pensão ao filho, ele atrasa ou deixa de pagar. Aí sim o homem pode sofrer legalmente alguma punição. Assim, todos os dias, muitas crianças são abortadas por seus pais, que deixam de dar seu nome aos filhos, que não somente deixam de estar presente na vida de seus filhos, como também se omitem na criação, não participam da formação da personalidade e impedem que laços afetivos sejam criados.
A falta de afeto do pai pode deixar sequelas emocionais em seus filhos, além de um sentimento de vazio, uma lacuna sobre quem é esse pai que não se fez presente. O filho, mais à frente, irá tentar responder a muitas perguntas e as suposições irão desde a possível imaturidade do genitor, passando pela dificuldade de relação com a sua mãe, o não desejo de ser pai até o desamor pelo filho que estava por nascer. Além dos laços não estabelecidos entre pai e filho, há um prejuízo nos cuidados, na presença, na segurança diária que uma criança tem o direito de receber de seu pai.
Talvez aborto não seja a expressão mais correta, mas a atitude se assemelha quando o homem, ao abandonar o filho, lhe nega a existência e ao não lhe dar seu sobrenome, interfere na construção da identidade e da história de vida da criança. Sua árvore genealógica terá apenas uma linhagem, parte de sua ancestralidade será uma incógnita. E se a humanidade convive com a questão comum “de onde eu vim”, o ser individual também é propenso a buscar resposta para a questão pessoal sobre sua base histórica e biológica.
programa Pai Presente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) foi criado com vistas a diminuir o número de crianças sem o nome do pai no registro de nascimento, número este que chega a cerca de 5,5 milhões no Brasil. No entanto, dar o nome por si só não é assumir um filho. Ser pai é mais que dar apenas o sobrenome ou uma pensão mensal. É estar ao lado, ensinar, acompanhar, guiar os passos, dar amor e carinho. Enfim, importante refletir que não é somente uma mãe que pode abortar um filho: um pai também o pode, e com maior frequência que imaginamos o faz, tirando-o da história da sua vida.

Matéria publicada originalmente em A Empreendedora - revista online em outubro de 2016.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

A inclusão que também exclui

Dando continuidade aos nossos passos no mundo da inclusão, quero refletir com vocês hoje sobre a inclusão digital, mais especificamente a respeito do efeito “isolamento social presencial” que acompanha os usos – e abusos – das mídias sociais.

Lembro bem que no início da década de 1990, quando eu cursava o ensino médio no antigo CEFET (hoje UTFPR), utilizava o transporte coletivo para ir para a aula. Em cada parada, entrava um – dois – vários amigos, que estudavam no mesmo colégio ou de pegar todos os dias o ônibus no mesmo horário. A “regra” implícita entre todos era quem conseguia sentar levava a mala, mochila, pasta, sacola dos demais – e ficava soterrado, obviamente, atrás delas. Todos ficavam por perto do “carregador de malas da rodada” e o papo corria solto: conversa casual, a semana de provas, os muitos trabalhos e desenhos, jogos colegiais, algumas festas, paqueras e por aí afora. A integração acontecia de maneira automática, livre, sem preconceito algum, criando laços de amizade e de vivência capazes de acolhimento e dentro do qual a solidão não fazia sentido.

O tempo passou. A era da informática e dos eletrônicos ganhou campo, conquistou um espaço nunca antes imaginado e trouxe com ele toda uma gama de possibilidades – conhecimento, informação, agilidade, conectividade. É inegável os benefícios que a era tecnológica implantou na sociedade atual: encurtou distâncias, abrindo possibilidade para que pessoas de pontos geográficos diferentes possam se comunicar, não apenas de maneira escrita e em tempo real, mas também por voz e imagem. Derrubou fronteiras, aproximando pessoas de diferentes nacionalidades, habilitou a interatividade e o senso de globalização. Realmente, é gigantesca a contribuição que esse avanço trouxe ao mundo moderno.

Dentre tantas opções, o telefone celular é o que maior destaque ganha, já que não apenas permite a comunicação via chamada; ao contrário, oferece um sem número de outras opções – geralmente as mais utilizadas: envio de mensagens SMS (quase em desuso) ou WhatsApp; interação e socialização virtual através do compartilhamento de ideais, gostos e feitos através do Facebook, Instagram, Twitter entre outros. Fora isso, há o uso do celular para ouvir música, jogar e até mesmo assistir a vídeos e programas da televisão.


Em 2016 utilizando algumas vezes o transporte coletivo, em meio a esse panorama digital acima descrito, transformei-me em uma passageira atenta e observadora do comportamento dos demais usuários. A maioria absoluta dos passageiros entra e sai dos ônibus com o celular nas mãos, falando nele, jogando, teclando ou ouvindo música – não há espaço para se perceber o outro, conhecer o outro, olhar nos olhos, dizer simplesmente “oi” ainda que muitas dessas pessoas se esbarrem quase todos os dias.

A audição, que no caso de se estar em meio a uma pequena multidão, serve como meio sensorial de alerta e proteção é totalmente prejudicada em quem coloca seus fones de ouvido e se isola em um mundo de músicas e outros sons. A visão fica focada apenas na tela do aparelho, que com sua magia de levar e trazer dados em tempo real, quase que hipnotiza seu usuário. Com a audição e a visão focadas em seus celulares, a atenção ao que acontece ao redor – especialmente no sentido de buscar proteger-se em situações de risco como um assalto ou mesmo orientar-se em relação a seu destino – por consequência, fica quase que inteiramente prejudicada. Ao estar com os sentidos distraídos do seu entorno, a pessoa torna-se alvo mais fácil de abordagens impróprias, sujeita a roubo e assédios.

Tão nocivos quanto, ou ainda piores, são os efeitos do distanciamento pessoal que esse uso/abuso dos celulares provoca. Ao mesmo tempo em que a pessoa está conectada conversando com alguém de outra cidade, estado ou mesmo de outro país, ela não consegue levantar os olhos e perceber a diversidade que tem a seu lado. Neste ponto me detenho um pouco mais sobre o adolescente, que não tem passado por essa convivência gostosa e sadia entre colegas e amigos dentro de um ônibus, por exemplo, que nem imagina o que seria o “carregador de malas da rodada”, que cada vez menos tem aprendido a compartilhar com quem está ao lado. Aquela cena protagonizada por mim e meus colegas na década de 1990, e que se repetia em quase todas as demais linhas de ônibus de Curitiba, se tornou apenas um recorte na memória daqueles que viveram aquele tempo, posto que não se repete mais nos dias atuais. Tem ao fundo um certo saudosismo, mas principalmente o que salta à percepção é a cada vez maior aptidão de interação com o outro virtual frente a maior incapacidade de interação com o outro presencial.

A conexão tão bem vinda, que me coloca em contato com pessoas a milhas de distância, é a mesma que me impossibilita de conversar e de conhecer quem está ao meu lado. Temos que estar atentos, pois já estamos criando barreiras para a interação física e aceitando a interação virtual como se fossem coisas absolutamente cabíveis desta forma. Em um restaurante, em uma reunião familiar, quantas vezes podemos ver os presentes conectados a seus celulares e mídias sociais e deixando de interagir com as pessoas que estão à sua volta?

São armadilhas que estamos criando, e devemos prestar atenção, pois estamos gerando sentimento de empatia pelo que está a léguas de distância, mas incapacidade de gestos de aproximação de quem está a centímetros de nossas mãos. Assim, a inclusão que me insere no meio social digital, que me permite ser visto por muitos, ter seguidores até – para minhas ideias, meus feitos ou efeitos – também é a mesma que permite que eu me torne invisível aos olhos do meu vizinho, do meu colega de escola ou de trabalho, da pessoa com quem divido um banco no transporte coletivo ou uma mesa na praça de alimentação do shopping.

Se você parar e observar com atenção, o cenário em muitos locais públicos é desolador, pois há muitas pessoas, mas tão pouca interação pessoal, direta, olho no olho…há muito vazio, muitos espaços a serem preenchidos – com olhares, sorrisos, palavras e mesmo silêncios cúmplices e acolhedores. Em muitos momentos estamos nos tornando seres individualistas – cada um com seu celular, seus mil e poucos “amigos” e/ou “seguidores” nas redes sociais, mas essencialmente sós em realidade.

Toda essa observação gera novas discussões. Mas, antes, é preciso cada um ler e reler, pensar e repensar a respeito, visualizar as cenas e a si mesmo, para que possamos nos engajar em novas conversas sobre a inclusão digital, que tanto tem nos deixado excluir e sermos excluídos, que tem criado o que chamei de “isolamento social presencial” e algo que venho estudando no consultório que poderíamos denominar de “fobia social digital”.
Texto originalmente assinado por mim e publicado na Revista A Empreendedora em 26/07/2016.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Aonde está a sua outra metade???

          
              Somos seres que nascemos para viver em sociedade. Não vivemos sós, precisamos de outros desde que nascemos para suprir nossas necessidades básicas: alimentação, cuidados e desenvolvimento. Crescemos ouvindo que também emocionalmente não podemos ficar sozinhos e que devemos buscar a nossa "metade da laranja" - ou seja - passamos a vida em busca desta outra metade, certos de sermos seres incompletos e de que só seremos realmente felizes quando encontrarmos esse outro que, enfim, nos completará.
                   Há pessoas que nesta busca encontram um outro que as faz feliz, fazem planos, casam-se, tem filhos, formam uma família e seguem felizes para sempre. Como nos contos de fada. Ou nos comerciais de margarina...mas há uma quantidade incontável de pessoas que se frusta, ata e desata relacionamento, casa e separa, ou fica anos agonizando em relações terríveis por não ter coragem de sair da situação porque, afinal, se o destino lhe reservou um meio limão para completar a sua laranja fazer o quê, não é mesmo??? E a vida segue no conformismo e na dor. Mas não se pode esquecer daquelas que ficam sozinhas, que não encontram essa tal metade. Afinal, aonde estaria a tampa da sua panela? A vida não reservaria para alguns tantos o direito de encontrar a felicidade preenchendo este espaço que desde cedo lhe disseram haver em si e que um dia seria completado por um outro ser?
                    Se pensarmos assim, certamente parecerá que somente uns poucos serão felizes, outros enquanto durarem seus relacionamentos e outros nunca, posto que não encontrarão suas "cara-metades". MAS, eis o grande erro cometido: NINGUÉM precisa de outro para ser completo. Não há outra metade para me fazer inteiro, porque sou inteiro e completo em mim mesmo! Esta é a grande verdade! Sou um, logo sou ímpar, único - completo! O outro que vem apenas me COMPLEMENTA, mas nunca me completa. Se vem para formar casal, é par, se é par, somos dois, logo, cada um é um...completo cada um em si mesmo. Se der certo, somos dois vivendo juntos, se der errado, somos dois que se separam e cada UM é capaz de seguir adiante, com suas dores, mas completos e com a capacidade de superar e amar novamente. Não com a sensação de que é apenas uma metade necessitando urgentemente encontrar uma outra metade (e às vezes outra qualquer que se apresente) para se completar. Pensando assim é que muitos relacionamentos naufragam, porque se apegam ao primeiro bote salva-vidas como se fosse a única opção, sem lembrar que é possível nadar sozinho, enfrentar uma tempestade e chegar até a praia.
                        Se formos pensar na analogia da panela, sairemos sempre em busca de uma tampa. Mas precisamos pensar que somos, ao contrário, frigideiras. Frigideiras sim! Porque frigideiras, funcionalmente, não precisam de tampas. Tecnicamente estão completas em si mesmas (ainda que hoje em dia tenham sido inventadas as com tampas...). E não precisam roubar a tampa de panela alguma. Elas fazem sua função por si mesmas. Assim somos nós. Seres integrais, ímpares, unos em nós mesmos. Se encontramos alguém que nos compreenda, nos ame, que some, nos valorize, que seja prazerosa a companhia, que nos faça sorrir e traga cor aos dias, vale a pena seguir junto. Então seremos dois seres em harmonia seguindo por uma mesma estrada.
                         

Seja bem vindo!

O "PSICOLOGIA EM FOCO" é um espaço que estará, periodicamente, publicando textos, matérias, artigos e notícias, trazendo discussões, reflexões e também achados de pesquisas que se referem ao universo humano em seus aspectos psico-emocional, sócio-cultural, humano-tecnológico...Ou seja, a ideia é fomentar discussões sobre temas atuais, nos tirando de nossas zonas de conforto, suscitando verdadeiras práticas reflexivas, confrontando ideias pré-concebidas com novos paradigmas para a construção de novos pensamentos ou para  a reconstrução de novos conceitos mas com bases mais sólidas. 
"PSICOLOGIA EM FOCO" buscará também fornecer mais informações sobre os transtornos do universo psi, suas características, formas de tratamento, no sentido de facilitar sua identificação pelo público leigo, sua desmistificação e a possível busca de uma ajuda profissional. 

* Agradeço ao T.R.R.K. pelas sugestões para o nome do blog. Infelizmente os domínios sugeridos não estavam mais disponíveis, mas consegui unir duas de suas ideias e surgiu o "PSICOLOGIA EM FOCO".