Dando continuidade aos nossos
passos no mundo da inclusão, quero refletir com vocês hoje sobre a inclusão
digital, mais especificamente a respeito do efeito “isolamento social
presencial” que acompanha os usos – e abusos – das mídias sociais.
Lembro bem que no início da
década de 1990, quando eu cursava o ensino médio no antigo CEFET (hoje UTFPR),
utilizava o transporte coletivo para ir para a aula. Em cada parada, entrava um –
dois – vários amigos, que estudavam no mesmo colégio ou de pegar todos os dias
o ônibus no mesmo horário. A “regra” implícita entre todos era quem conseguia
sentar levava a mala, mochila, pasta, sacola dos demais – e ficava soterrado, obviamente,
atrás delas. Todos ficavam por perto do “carregador de malas da rodada” e o
papo corria solto: conversa casual, a semana de provas, os muitos trabalhos e
desenhos, jogos colegiais, algumas festas, paqueras e por aí afora. A
integração acontecia de maneira automática, livre, sem preconceito algum,
criando laços de amizade e de vivência capazes de acolhimento e dentro do qual a
solidão não fazia sentido.
O tempo passou. A era da informática e dos eletrônicos
ganhou campo, conquistou um espaço nunca antes imaginado e trouxe com ele toda
uma gama de possibilidades – conhecimento, informação, agilidade,
conectividade. É inegável os benefícios que a era tecnológica implantou na
sociedade atual: encurtou distâncias, abrindo possibilidade para que pessoas de
pontos geográficos diferentes possam se comunicar, não apenas de maneira
escrita e em tempo real, mas também por voz e imagem. Derrubou fronteiras,
aproximando pessoas de diferentes nacionalidades, habilitou a interatividade e
o senso de globalização. Realmente, é gigantesca a contribuição que esse avanço
trouxe ao mundo moderno.
Dentre tantas opções, o telefone celular é o que maior
destaque ganha, já que não apenas permite a comunicação via chamada; ao
contrário, oferece um sem número de outras opções – geralmente as mais
utilizadas: envio de mensagens SMS (quase em desuso) ou WhatsApp; interação e
socialização virtual através do compartilhamento de ideais, gostos e feitos
através do Facebook, Instagram, Twitter entre outros. Fora isso, há o uso do
celular para ouvir música, jogar e até mesmo assistir a vídeos e programas da
televisão.
Em 2016 utilizando algumas vezes o transporte coletivo,
em meio a esse panorama digital acima descrito, transformei-me em uma passageira
atenta e observadora do comportamento dos demais usuários. A maioria absoluta
dos passageiros entra e sai dos ônibus com o celular nas mãos, falando nele,
jogando, teclando ou ouvindo música – não há espaço para se perceber o outro, conhecer
o outro, olhar nos olhos, dizer simplesmente “oi” ainda que muitas dessas
pessoas se esbarrem quase todos os dias.
A audição, que no caso de se estar em meio a uma
pequena multidão, serve como meio sensorial de alerta e proteção é totalmente
prejudicada em quem coloca seus fones de ouvido e se isola em um mundo de
músicas e outros sons. A visão fica focada apenas na tela do aparelho, que com
sua magia de levar e trazer dados em tempo real, quase que hipnotiza seu
usuário. Com a audição e a visão focadas em seus celulares, a atenção ao que
acontece ao redor – especialmente no sentido de buscar proteger-se em situações
de risco como um assalto ou mesmo orientar-se em relação a seu destino – por
consequência, fica quase que inteiramente prejudicada. Ao estar com os sentidos
distraídos do seu entorno, a pessoa torna-se alvo mais fácil de abordagens
impróprias, sujeita a roubo e assédios.
Tão nocivos quanto, ou ainda piores, são os efeitos do
distanciamento pessoal que esse uso/abuso dos celulares provoca. Ao mesmo tempo
em que a pessoa está conectada conversando com alguém de outra cidade, estado
ou mesmo de outro país, ela não consegue levantar os olhos e perceber a
diversidade que tem a seu lado. Neste ponto me detenho um pouco mais sobre o
adolescente, que não tem passado por essa convivência gostosa e sadia entre
colegas e amigos dentro de um ônibus, por exemplo, que nem imagina o que seria
o “carregador de malas da rodada”, que cada vez menos tem aprendido a
compartilhar com quem está ao lado. Aquela cena protagonizada por mim e meus
colegas na década de 1990, e que se repetia em quase todas as demais linhas de
ônibus de Curitiba, se tornou apenas um recorte na memória daqueles que viveram
aquele tempo, posto que não se repete mais nos dias atuais. Tem ao fundo um
certo saudosismo, mas principalmente o que salta à percepção é a cada vez maior
aptidão de interação com o outro virtual frente a maior incapacidade de interação
com o outro presencial.
A conexão tão bem vinda, que me coloca em contato com
pessoas a milhas de distância, é a mesma que me impossibilita de conversar e de
conhecer quem está ao meu lado. Temos que estar atentos, pois já estamos
criando barreiras para a interação física e aceitando a interação virtual como
se fossem coisas absolutamente cabíveis desta forma. Em um restaurante, em uma
reunião familiar, quantas vezes podemos ver os presentes conectados a seus
celulares e mídias sociais e deixando de interagir com as pessoas que estão à
sua volta?
São armadilhas que estamos criando, e devemos prestar
atenção, pois estamos gerando sentimento de empatia pelo que está a léguas de
distância, mas incapacidade de gestos de aproximação de quem está a centímetros
de nossas mãos. Assim, a inclusão que me insere no meio social digital, que me
permite ser visto por muitos, ter seguidores até – para minhas ideias, meus
feitos ou efeitos – também é a mesma que permite que eu me torne invisível aos
olhos do meu vizinho, do meu colega de escola ou de trabalho, da pessoa com
quem divido um banco no transporte coletivo ou uma mesa na praça de alimentação
do shopping.
Se você parar e observar com atenção, o cenário em
muitos locais públicos é desolador, pois há muitas pessoas, mas tão pouca
interação pessoal, direta, olho no olho…há muito vazio, muitos espaços a serem
preenchidos – com olhares, sorrisos, palavras e mesmo silêncios cúmplices e
acolhedores. Em muitos momentos estamos nos tornando seres individualistas –
cada um com seu celular, seus mil e poucos “amigos” e/ou “seguidores” nas redes
sociais, mas essencialmente sós em realidade.
Toda essa observação gera novas
discussões. Mas, antes, é preciso cada um ler e reler, pensar e repensar a
respeito, visualizar as cenas e a si mesmo, para que possamos nos engajar em
novas conversas sobre a inclusão digital, que tanto tem nos deixado excluir e
sermos excluídos, que tem criado o que chamei de “isolamento social presencial”
e algo que venho estudando no consultório que poderíamos denominar de “fobia
social digital”.
Texto originalmente assinado por mim e publicado na Revista A Empreendedora em 26/07/2016.